quarta-feira, 10 de abril de 2013

O Miradouro

Fiquei sem bateria no telemóvel. Com ela, foi-se também a minha música de passagem de tempo, ansiando a chegada a casa. Perdi o meu entretenimento preferido a meio caminho e, por isso, fiz o que muitos fazem: olhei pela janela e comecei a divagar.

Foi assim que passei os quarenta e cinco minutos que ainda faltavam até à meta final, a olhar para o exterior chuvoso e cinzento que ameaçava molhar-me assim que me propusesse a sair, pensando no chapéu de chuva com padrões de zebra pretos e brancos, muito masculino, que tinha guardado na mala. Mais cedo ou mais tarde, teria de recorrer a este meu companheiro de viagem.

No entanto, esta minha divagação cessou brevemente quando, como que ao acaso, me recordei de um belo miradouro onde fora dias antes, juntamente com bons amigos, algures no meio de Lisboa. Havíamos decidido fazer uma bela caminhada pela capital, quando, ao fim de algum tempo, nos deparámos com tão incomum paisagem, sob a qual descansámos uns minutos.

A vista era um requinte. Exactamente à nossa frente, era visível a enorme escadaria de acesso ao topo. Pedra da calçada minimamente requintada, axadrezada em preto e branco, com brechas grandes o suficiente para guardar as várias beatas que, depois de consumidas, eram depositadas no chão.

Um pouco mais à frente, as duas vias de trânsito automóvel que rodeavam as linhas ferroviárias, que por sua vez cercavam a passagem de peões que as transpunha. De aspecto incrivelmente degradado, mantinha-se firme perante o tempo. Parecia tentada a proteger a paragem de autocarro que se encontrava a seu lado, querendo esta permanecer fora do seu mundo, importada apenas em albergar as várias pessoas que se protegiam do vento e do sol.

Mais em frente era visível o porto. Cinzento e aborrecido, cuidava atenciosamente do enorme navio de carga russo, ou talvez ucraniano, que descansava nas águas estranhamente calmas. Azul e verde, com nome a letras brancas ilegíveis, era senhor dos mares portugueses, tratado que nem rei.

Podia-se ouvir uma sirene um pouco perturbadora a cada cinco minutos. Era indicativa de algo que a nós nos era desconhecido e irrelevante. Talvez controlasse quem entrava e saía do porto, ou talvez indicasse que a passagem para peões se iria encerrar para permitir a transição dos comboios de cor amarela sujos. Nada disto importava, pois, para nós, apenas se tratava de algo irritante a estragar a bela paisagem.

No horizonte via-se o outro lado do Tejo. A minha terra, o meu lar, o meu porto de abrigo, a ser mirado do outro lado do mundo. Conectado pela esbelta ponte vermelha comum a todos, que sustenta os carros, os comboios e o seu próprio e impressionante peso, este demonstrava uma serenidade enorme. Nada parecia poder provocar anarquia nesta bela paisagem.

Agora, que estou de novo deste lado, do outro lado do rio, ele está triste e chora. Não gostou que a minha vida tivesse mudado tanto em tão pouco tempo. Não me perdoa. O que não entende, é que eu não quero ser perdoado, pois só assim o pude admirar com o devido apreço.

1 comentário:

  1. Missão: escrever com mais frequência :)

    ps: tira a verificação de palavras para comentar :P

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