quinta-feira, 28 de março de 2013

O Saxofone

Lembro-me como se fosse ontem. Estava a passear, de noite, pela baixa de Lisboa, quando dei por mim no que parecia um mundo novo. Diversas as lojas alvoraçadas pelas enormes multidões que percorriam a zona de extremo a extremo, calmamente, alheias a terceiros.

Fiquei curioso de como tanta diversidade poderia existir num só lugar, numa só zona, em uníssono. Como apesar da movimentação, dos diferentes costumes e aspectos, tudo corria cordialmente, como se de uma pequena utopia se tratasse.

Porém, não foram as lojas ou os pareceres que me marcaram aquela noite. Observam-se todos os dias, mais numas horas que outras, mas repetem-se. Não foram nenhumas destas rotinas quotidianas que me despertaram a escrita, mas algo diferente. Algo melodioso, solitário, de aspecto asqueroso.

Um homem, cujos cabelos grisalhos se escondiam sob uma boina e a barba amarela do tabaco permanecia imóvel lhe davam uma aura pouco apelativa. Casaco azul escuro, calças de material desconhecido sujas de usadas, mas não rotas. Os sapatos aparentavam terem sido submergidos em cimento fresco, pois notavam-se as manchas cinzentas e rígidas na biqueira e no resguardo lateral da sola.

No entanto, não foi no pouco requintado aspecto físico deste ser que me concentrei, mas sim no que ele trazia ao mundo. Nas suas mãos encontrava-se um saxofone. Amarelo cor de ouro de uma brilhante elegância que nunca alguma vez vira. As suas tubagens perfeitas e a sua harmoniosa música, tocada por nenhum outro do que este mesmo homem.

Como as aparências iludem... Algo tão belo escondido sob uma trincheira mal cheirosa e de aspecto nojento. Fiquei, enfim, chocado com este contraste. Não existiam as mínimas indicações de que se encontrava perante a minha pessoa uma alma tão avassaladora, com tanto sofrimento, transmitido pela música.

Parei de sonhar acordado o suficiente para reparar que, a seus pés, se encontrava o saco de transporte do saxofone. Escuro, completamente vazio, este saco esperava que alguém o olhasse com carinho e lhe depositasse esperança. Esperava por alguém que entendesse a mensagem, que contribuísse para que mais a pudessem entender, que a pudessem escutar.

Abri a minha carteira. Apenas tinha o meu bilhete de identidade, alguns cartões, e um santinho. Nada que eu pudesse usar para auxiliar esta pobre alma. Felizmente para mim, não estava sozinho. Tinha amigos, tinha algo que esta alma não tinha, e tinha o dever de lhes passar a sua mensagem. Pedi um euro emprestado, aproximei-me deste belo senhor, mirei-o nos olhos, depositei a moeda e agradeci.

Um muito curto obrigado foi tudo o que me foi retribuído, seguido de um sorriso. Não precisei de mais, pois já tinha recebido mais do que estava à espera. Continuei o meu caminho, escutando, de longe, a continuação da bela melodia que preenchia a noite de uma canção de embalar.

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