Ao meu lado, dois fiéis companheiros de viagem, que por entre shots e cervejas, caminhadas à chuva, e insultos a estrangeiros, me acompanharam noite fora, numa algazarra descomunal. Um deles completamente inconsciente, apoiado no seu joelho direito, seu corpo morto de cansaço. O outro, com o leitor de música a tocar rock psicadélico, alternativo, entre outros, apoiado na mochila comum a todos, dormitando à espera do dia novo.
Foi assim que se passou a noite. Não foi em cama alguma com uma oferecida qualquer, numa festa cara qualquer cujo nome me é alheio, ou no meio da rua, sozinho ao frio e ao relento. Foi no quente, sob aquela máquina de multibanco, que se expôs o mundo à minha frente.
A rua não estava completamente deserta, mas não se ouvia o mínimo som exterior. Ao longe, podiam-se ver os jovens que, como nós, se haviam despedido das festas e regressavam a seus lares, acompanhados uns pelos outros, mas também pelo espírito que lhes vai no sangue. Cambaleando sobre o passeio, davam prioridade aos veículos que transitavam, pois cientes da instabilidade que eles próprios eram, estavam.
O candeeiro em frente ao banco assinalava, com a sua intermitente luz amarela, que a noite ainda estava para durar. Os constantes flashs mantinham a minha mente clara e sã, castigasse os meus olhos ou não. Pouco importava, pois tão depressa essa mesma luz não iria ser substituída, pois não se desiste enquanto não se apaga a nossa chama interior. Um grande pequeno guerreiro, pairando sobre uma rua molhada da chuva.
Os autocarros, pelo menos três, passaram a minha frente, com o número duzentos e poucos, não sei ao certo, de mão dada ao nome do seu destino. Totalmente desprovidos de vida, estes vagueavam as estradas à procura de serem úteis. Não eram necessitados, mas também não havia mais nada a fazer naquela noite silenciosa.
Pela direita aproximavam-se os jovens que vinham do pátio de dança. Dançar era tudo o que eles não faziam, pois como se pode dançar quando o palco em si é composto por degraus, garrafas de bebida, e jovens grupos compostos por um rapaz sedutor a causar inveja aos demais, estando rodeado de belas donzelas, sem no entanto mostrar mínimo interesse por qualquer uma delas. Perdidas no êxtase do álcool, não se interessam minimamente na sua própria auto-estima, mas muito menos num pequeno rapaz enfiado dentro de um recinto acolhedor, que as observa de olhos bem abertos, afectados pela vontade de permanecer acordado.
Era impossível saber se existia vento. Não havia árvores, bandeiras, painéis ou janelas abertas com cortinas longas que o acusassem. Recusava-me, no entanto, de me dirigir ao exterior para confirmar. Apenas com uma camisola e uma camisa a servirem de vestimenta, não era o gato curioso mais apropriado para atestar a situação. Estimo muito as minhas sete vidas, para deixar o vento levá-las.
Assim esperei, ou melhor, esperámos que o sol se levantasse. O metro abria às seis e meia da manhã, e o que eu mais queria, naquele momento, era voltar para casa, tomar um longo banho, e agarrar-me aos meus próprios sonhos. Era a minha vez de descansar.
No entanto, não posso esquecer que, apesar de tudo, foi talvez, até agora, a melhor noite que alguma vez passei, e não foram precisos os mínimos luxos para que assim fosse. São os guerreiros que ficam com os louros. São os guerreiros que, no fim, se divulgam em canções e fábulas.
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