Tenho sono, mas não consigo dormir. Não ouço os grilos da noite na sua frenética comunicação habitual, hipnotista e arrepiante, como se de mim falassem. São os coscuvilheiros da noite, onde ninguém os vê e ninguém os acusa.
Noto também a ausência dos latidos dos cães da vizinhança, que com o mundo partilham o que vêm, cheiram e ouvem, sem minimamente se preocuparem com quem incomodam. Não os afecta, logo, não os preocupa.
De facto, não se ouve absolutamente barulho nenhum. Até o próprio vento se cansou de se fazer escutar. A chuva tirou férias, e a vizinha de cima arrumou os saltos altos na gaveta inferior da cómoda. Os carros estão todos estacionados e a movimentação cessou. Não há vivalma nas ruas. É uma cidade fantasma.
No entanto, não consigo dormir. É impressionante como as pequenas e diversas melodias de um dia-a-dia nocturno se aglomeram e formam uma sinfonia quotidiana à qual nos habituamos, e sob a qual adormecemos.
São estas pequenas coisas, que a sociedade tem, que nós odiamos. São estas pequenas coisas, que a noite tem, que nós adoramos. Um contraste de luz vira o mundo do avesso. O que faz sentido deixa de fazer e o que é errado toma-se por certo. A anarquia descomunal que sofremos todos os dias, subitamente, sob o olhar da Lua, se torna aromatizante, delicada, quente e bem-vinda.
Estaremos, então, assim tão fartos de barulho? Eu, por um lado, sim. Estou farto do barulho ensurdecedor da minha vontade de dormir, pois amanhã é dia de trabalho. O problema é que me falta a minha canção de embalar. Sem ela não consigo olhar para a minha cama com desejo.
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