domingo, 18 de agosto de 2013

O Papel Azul

Por vezes olho-me ao espelho e pergunto quem sou. Não sei ao certo o que me fez chegar aqui, o que me permite continuar, muito menos o que me motiva. Serei eu algo de especial? Diferente do mundo o suficiente para ser notado.

Não chega ser diferente. Não chega ser bom. Tem de se ser mais. Existem patamares impossíveis de alcançar, mirando do alto os restos mortais de todos os que ousam tentar, sem nunca conseguir. Desejo eu algo tão sirénico? Não sei ao certo, pois não sei quem sou.

Ironicamente me dá a revolta interior, faço cara de mau perante a minha própria imagem, encaro a realidade e invoco-a. Quero ser alguém. Quero chegar mais longe do que alguma vez alguém chegou. Será o meu nome escrito nas estrelas como nova constelação. Existirá pergaminhos do presente, encontrados no futuro, com a minha história. De espada armada, de escudo em pose, enfrentarei o mundo.

Ou então não. Pego em duas pequenas moedas e começo a atirá-las ao ar. Um pequeno entretenimento deveras peculiar. Interesseiro talvez, pois aparenta indicar que me divirto com dinheiro, que só consigo ser feliz na sua presença. Talvez teoricamente correcto, mas ridículo à observação. Não desejo fortunas nem moedas. Desejo algo diferente. O quê? Não sei.

Largo as moedas, então, no balcão da cozinha. Não existe nada mais a observar no quotidiano vivido neste meu lar. Dirijo-me ao meu quarto e encaro com o quadro de memórias. Bilhetes de espectáculos, fotos de infância, colares, pinos, livros, pertences e papel. Tudo isto para dizer nada. Não há nada neste quarto. Sinto-o vazio no meio de tanto.

Fico ansioso. Talvez pela impaciência que me causou o meu confronto com o invencível espelho da casa-de-banho, ou talvez pela falta de entretenimento. Dou comigo a dirigir-me ao quintal. Um irado calor repele qualquer um dos desertos atrás de minha casa. Não há vivalma, a não ser talvez as irrequietas moscas, ou a roupa esvoaçante sob o vento. Certamente este não é lugar para mim. Não me dou bem com o calor.

Voltando para dentro, deparo-me com algo peculiar. Algo desnaturado neste velho ambiente. Um pequeno papel, azul, enrugado, junto ao suposto balcão onde havia deixado as moedas. Tomou a curiosidade controlo sobre mim, dirigiu-me ao suposto papel, e forçou-me a abri-lo. Parecia quase a cerimónia das bolachas da fortuna.

No interior do papel estava escrito o meu nome. Por baixo dele, encontrava-se a suposta turma onde me encontrava. Não a vou mencionar, não é relevante. Posso, no entanto, referir que as memórias que trouxe ao claro não são as mais felizes.

A situação fez-me desistir de tudo. Não quero ser ninguém. Não quero ascender aos céus. Não quero ser contado num livro. Quero apenas continuar a viver, à espera da minha final sentença.

Sem comentários:

Enviar um comentário