quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Tédio Diário

Estou incrivelmente aborrecido. Cheguei a um estranho estado de espírito em que tudo me aborrece, me irrita e me desconsola. O desconforto que sinto é algo que desejaria a todos, se a mim me fosse negado.

A progressão de um dia torna-se um transtorno impossível de aguentar. A mesma paisagem reflectida nos meus olhos, enviando informação ao meu cérebro de que não vou a lado nenhum. Sentado, na loja a controlar a caixa registadora, verificando todos os produtos de comércio que de minhas mãos para o saco vão, que por sua vez para fora da minha vida parte.

Não sinto saudades do saco, nem dos produtos, nada disso. Na realidade, desejo que todos me desapareçam da frente, que se façam dispersar pelo mundo, que me deixem sossegado. Fazem falta noutros sítios que não ali, à minha frente, onde sou responsável pela sua estima.

Dou por mim, vagabundo de ocasião, a dar voltas ao recinto. Com um telemóvel de ecrã partido numa das mãos, uma chave de casa na outra, oriento-me tal burro de carga, por entre as caixas e as estantes cheias de mercearias, produtos de higiene, entre outras coisas.

Quando me lembro, dirijo-me à entrada. Encosto-me à porta esquerda, direita de quem vem de fora, e sereno de tédio observo a rua. Carros estacionados, lixo espalhado no chão, gritos, beatas, gatos esguios, cães à solta, pombos por todo o lado... o costume. Nada de interessante a observar, nada de novo que agarre a atenção do meu corpo e me dê vida de novo. Trata-se de uma simples paisagem cinzenta, monótona, morta.

Por fim lembro-me, dou um berro de ansiedade, e ligo a televisão. Não existe nada de apelativo, talvez à excepção da música. Harmonias fúteis e repetitivas, como se no mundo mais nenhuma melodia existisse. Se vende, está na televisão. Ignoro o meu desgosto por este pormenor, deixo-me levar, começo a cantar e a dançar. Nunca um primata fora tão bem imitado. É essa a qualidade da minha dança. Nunca a minha auto-estima foi tão boa.

De tudo isto, quem acaba por tirar proveito são os clientes. Servem-se do que querem, do que desejam, do que precisam e do que não precisam. Tudo isto, enquanto o palhaço de serviço entretém. Consequentemente, a loja ganha proveito, vivalma, alegria, enfim, cresce. Melhor empregado não podia haver. Talvez um que não traga tanto prejuízo em doces.

Chega à hora final, a hora da morte. Não entra ninguém, a família ocupada a arrumar o que se encontra em falta nas prateleiras e a luz do dia começa a desvanecer. Entro em pânico. Preciso de algo para me entreter e nada me ocorre. Todos os dias, a mesma rotina, o mesmo final. A pura definição de loucura. Deixo-me consumir pela depressão, pela carência e pela solidão. Agarro o telemóvel e verifico as horas, a cada seis segundos. Preciso de algo que me entretenha e depressa.

Encontro, por fim, a diversão por qual esperava. A minha pequena salvação, o milagre! Agarro uma mão cheia de milho amarelo, vou à porta, e atiro para o chão. Não demora 5 segundos, e um enxame de pombos aparece à minha porta, idolatrando-me como seu novo Deus. Percebo agora o divertimento dos idosos que vão para os parques alimentar estes pequenos seres. A sensação de poder é reconfortante. Talvez seja disso que eu preciso. Poder.

Assim acaba mais um dia. Não quero que haja um próximo Não sou eu quem decide, para minha desafortunada sina. 

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